terça-feira, 18 de agosto de 2015

Parto Humanizado

O contexto no qual a doula se insere é o do Parto Humanizado. O Parto Humanizado (que não é um tipo de parto) consiste, em primeiro lugar, em restituir à mulher o protagonismo do seu parto (1).  

Se a mulher se sente mais segura parindo no hospital, deve ser assegurado a ela o direito de parir no hospital. Por outro lado, se prefere ter seu filho em casa, seu direito também deve ser respeitado. Se a mulher acredita que pode não suportar a dor até o nascimento do bebê e gostaria de ter anestesia disponível, assim será. O mesmo acontece para todos os demais aspectos relacionados ao parto: autorização para que seja feita episiotomia, escolha livre de posições durante o trabalho de parto e parto, recusa de procedimentos violentos no recém nascido (tais quais uso de colírio de nitrato de prata, aspiração das vias aéreas, aspiração gástrica etc).

Todos os desejos da gestante podem ser explicitados através de um documento chamado Plano de Parto, que a mulher pode elaborar junto com seu obstetra ou sua doula, que podem oferecer mais informações e esclarecer eventuais dúvidas sobre todo o processo de pré-parto, parto e pós-parto para que, quando chegar a hora, a mulher não precise se preocupar em estar racional pois terá a certeza de ser atendida conforme sua vontade, desde que tudo esteja correndo bem, podendo se entregar completamente ao nascimento do seu bebê.

A conduta dos profissionais da humanização do parto está sempre vinculada à Medicina Baseada em Evidências (2). Espantosamente, apenas 10% dos procedimentos de um parto hospitalar comum, tem embasamento científico sólido para serem realizados. Uso de máscara, roupa cirúrgica, campo, raspagem dos pelos (tricotomia), corte do períneo (episiotomia), lavagem intestinal (enema), posição horizontal (posição de litotomia)... Nada, N-A-D-A disso tem base científica para ser utilizado e, ainda, as pesquisas já apontam claramente o oposto, apontam que não devem ser feitos.

Com uma equipe vinculada à Medicina Baseada em Evidências, certamente apenas procedimentos seguros e necessários serão realizados.

Uma das grandes lutas do Parto Humanizado é para que as cesarianas deixem de ser feitas como rotina, como tem sido feito no Brasil nas últimas décadas, e passem a ser utilizadas exclusivamente para sua finalidade: salvar a vida da mãe ou do bebê. O risco dessa cirurgia abdominal de grande porte é muito alto quando comparado ao de um parto vaginal e não deve, em hipótese alguma, ser feito sem necessidade. A cesariana é segura quando é melhor para a mãe ou para o bebê que o bebê saia logo do útero. A cesariana não é uma “alternativa equivalente ao parto espontâneo” (3).

Não é admissível UTIs neo-natais lotadas de bebês prematuros, mulheres perdendo útero ou morrendo em decorrência de um procedimento cirúrgico realizado sem real indicação.


As indicações reais para cesariana são poucas e bem específicas (abordarei em outro post). A Organização Mundial da Saúde recomenda que a taxa de cada médico não ultrapasse 15% do total de partos, porcentagem que cobre única e exclusivamente as cesarianas necessárias.

É nosso papel, inclusive, ajudar a desmistificar as indicações fictícias que têm levado tantas mulheres para cesariana nos últimos anos (falta de dilatação, sobrepeso materno, bacia estreita, bebê grande, bebê pequeno, muito/pouco líquido amniótico, “sofrimento fetal... Ah, são tantos...). Lembrando que”, no Brasil, no início da gestação 70% das mulheres querem ter um parto normal, mas no final pouquíssimas conseguem pois sempre acontece algo que a faça mudar de idéia, geralmente comentários e atitudes do obstetra que acabam minando seu desejo e desencorajando.

Entendemos toda conduta que vá contra a vontade da mulher, bem estar (real) do binômio mãe-bebê e Medicina Baseada em Evidências, são violências, ainda que veladas ou tão comuns que as pessoas acreditem que seja o “normal”.

Nossa luta é para que em um futuro próximo as mulheres que querem parir, possam fazê-lo do seu jeito, seguindo suas regras, sempre com uma equipe de qualidade pronta para intervir em qualquer eventualidade.


(1)    Jones, Ricardo. “Entre as orelhas: histórias de parto”, Idéias a Granel, 2ª Edição, p. 223.
(2)    Para quem se interessa, as revisões sistemáticas encontram-se disponíveis na Biblioteca Cochrane: http://www.cochranelibrary.com/

(4)    http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/pesquisa-revela-numero-excessivo-de-cesarianas-no-pais

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Os hormônios do parto

Parto é um assunto de extrema relevância para quem está preocupado com o futuro da humanidade.

Nascer é o momento mais intenso que uma pessoa pode ter em sua vida e tudo foi “desenhado” com perfeição nos seus mínimos detalhes.

Todos os bebês estão “programados” para nascer da mesma forma. Há os casos de bebês se posicionam em apresentação transversa ou pélvica, mas são minoria. O trabalho de parto começa, avisando o corpo da mãe que o bebê está completamente formado. O bebê faz uma rotação para encaixar na pelve de sua mãe e, conforme o útero contrai, o bebê segue rumo ao canal vaginal, dilatando o colo do útero. O útero apenas apresenta dilatação se o bebê estiver saindo. Quando, finalmente, o bebê está prestes a chegar ao mundo, saindo do corpo de sua mãe, faz mais uma rotação para que saia pronto para ser acolhido por sua mãe e olhar nos olho dela.

Animação excelente, entretanto toda vez que assisto só consigo pensar "Pelamordedeus, levantem essa mulher!!!".

Na primeira hora de vida, a chamada Hora de Ouro, acontece o maior pico de ocitocina de toda a nossa vida quando respeitada. Segundo o obstetra  Ricardo Jones, a ocitocina, também conhecida por “hormônio do amor”, está ligada ao altruísmo, segurança, delicadeza, descanso, prazer, plenitude. É o hormônio que traz calma e conexão. É através desse hormônio que o vínculo se estabelece entre mãe e bebê.

Michel Odent e os pesquisadores do Primal Heath Research Databank (http://www.primalhealthresearch.com/), estudam o período compreendido entre a vida intra-uterina e o primeiro ano de vida e apontam que o nascimento é o momento chave para o desenvolvimento das capacidades de amar. Segundo Odent, comportamentos auto-destrutivos e violentos estão ligados a nascimentos igualmente violentos, nos quais o processo fisiológico do parto, quando há a liberação do “coquetel” de hormônios do amor (ocitocina, prolactina, endorfina etc.) foi negado ou interrompido de alguma forma, seja por anestesia ou cirurgia.

Michel Odent afirma ainda que, não por acaso, as sociedades mais violentas são as que têm o número de cesarianas mais elevados. A “sorte” dos bebês destas sociedades é a capacidade do ser humano entender uma gestação e antecipar sentimentos maternos, sorte essa que nenhum outro filhote mamífero tem. Qualquer fêmea anestesiada ou operada durante o nascimento de seus filhotes, não se interessa por eles, uma vez que só reconhecem que têm um filho após sentir os efeitos dos hormônios do trabalho de parto em seu corpo.

É claro que o nascimento não é o único fator determinante da personalidade das pessoas, mas se podemos garantir uma primeira impressão de mundo, como um mundo delicado, respeitoso e cheio de amor, e sabendo que é esse inprint que as pessoas carregam pelo resto da vida, porque não permitir que o parto seja sublime como foi feito para ser? 

Segundo o obstetra Jorge Kuhn , até mesmo quando cirurgias cesarianas são necessárias, é possível minimizar o trauma que a cirurgia representa para o bebê diminuindo a luz, o barulho, o frio, não separando-o da mãe ao menos durante essa primeira hora após o nascimento.

Ao entender como “normal” a forma como a maioria dos brasileiros nasce hoje, que é a cesariana (falarei mais sobre ela em outro post, mas é impossível falar sobre parto no Brasil sem falar dela já que 55% dos nascimentos são feitos por cesarianas, sendo que no sistema privado de saúde, chega a 90%, quando a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de 15%, no máximo), cheias de intervenções, ambiente frio, mulher com os braços amarrados sem poder acolher seu filho, separação do binômio mãebebê*, procedimentos invasivos e dolorosos para o bebê, estamos privando mães e bebês deste momento que define tanto a respeito da vida daquele indivíduo que acaba de chegar ao mundo.

“Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer” (Michel Odent)


*Sempre escrito sem hífen porque é um binômio tão importante que não deve jamais ser separado, como brinca a grande obstetra e pesquisadora Melania Amorim. (http://estudamelania.blogspot.com.br/)